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Constituinte ameaça tradições do campo

Por Sérgio Cardoso de Almeida


(Publicado no jornal “O Estado de S.Paulo” de 30 de agosto de 1987)

A 13 de janeiro de 1759, o Marquês de Távora, vice-rei da Índia, no reinado de d. João V, foi executado com toda sua família, sendo quebrados suas pernas e braços, e depois rodado até a morte. Picaram-se as suas armas e banido seu nome em todo o Portugal, a quem tanto tinha glorificado, mas que não servia ao Todo-Poderoso Marquês de Pombal, que o liquidou.

João Francisco Junqueira, amigo e companheiro dos Távoras, proprietário de terras em Braga, horrorizado e revoltado com essa perseguição aos seus vizinhos, emigrou logo para o Brasil para iniciar vida nova, longe daquela tragédia que nunca esqueceu. Moço, com recursos, fundou a fazenda Favacho em Baependy, Minas Gerais, onde em fins de 1760 já inaugurava a capela da fazenda, que até hoje está lá firme, em terras da mesma família, que João Francisco fundou. Tinha certeza que nesse imenso Brasil, com trabalho e dedicação as pessoas seriam livres e imunes a injustiças e perseguições como as que havia presenciado na sua terra natal. Trabalhou e construiu, e enquanto, naquela época, a mineração do ouro a todos conquistava, o Junqueira produziu banha de porco, queijo, leite e carne salgada para todos. Quando a mineração secou, ele estava rico e suas terras cultivadas como um jardim.

A família cresceu aprendendo a cultivar a terra, a criar o gado, a tirar leite, a fazer queijo, a engordar porco e criar cavalos, burros e jumentos. Os seus netos já começaram a migrar em busca de terras para criarem suas famílias e foram com grande experiência e amor à terra em busca de novos horizontes, onde formaram novas fazendas e produziram de tudo o que a terra dá.

Poços de Caldas em Minas Gerais, Franca, Batatais, São Simão, Nuporanga, no início, depois São Joaquim da barra, Orlândia, Morro Agudo, Colina, Barretos, Lins, Ribeirão Preto e tantos outros municípios paulistas se integraram com os Junqueiras, que vinham para ficar e produzir, voltados sempre para a terra como uma religião e um destino.

Cada Junqueira que chegou criou uma fazenda, com casas, benfeitorias e plantações, e sempre plantando árvores duradouras, que permanecem na lembrança das gerações, como símbolo de sua liberdade e culto à terra que tanto amam. Os Junqueiras só entendem a vida na terra, no campo, no Interior, e para conservarem essa paz e alegria, plantaram e espalharam maravilhosos cafezais, tornando a Mogiana, no Estado paulista, a melhor zona cafeeira do Brasil.

Notabilizaram-se pelas suas plantações de algodão, quando tiveram que enfrentar a crise do café nos anos 30, bem como dominaram e descobriram a forma de produzir soja, cereais, cana-de-açúcar e pastagens artificiais nos cerrados e campos paulistas, antes nunca explorados. Criaram o cavalo mangalarga, que já se exporta para a Europa, e na área leiteira ostentaram e ostentam os melhores rendimentos na produção de suas vacas, com até 15 mil quilos anuais de leite, por vaca, como acontece com suas matrizes, em Caxambu, em Minas Gerais e Lins no Estado de São Paulo.

O Junqueira adora a terra, não sabe viver sem ela, criando tudo quanto é animal e produz tudo que a terra aceita e não sabe viver fora de sua propriedade. A ação dos Junqueiras eleva o País em que vivem, e como os Junqueiras existem numerosas famílias que têm história parecida na nossa agricultura, e todas apegadas à terra com o mesmo amor.

é incompreensível, que, na atual Constituinte, se queira destruir o amor à terra, a tradição de trabalho, a experiência das famílias que são insubstituíveis para a produção agrícola brasileira, colocando-se todas as propriedades sob a ameaça de desapropriação, mesmo que sejam bem dirigidas pelos seu proprietários.

O prazo de 90 dias para a Justiça se pronunciar sobre a desapropriação é um crime e uma ameaça aos agricultores, e mostra um fanatismo iconoclasta contra as tradições do nosso campo.

O fecundo trabalho dos Junqueiras nesses últimos dois séculos e meio, foi preservado e respeitado pelo Brrasil-Colônia, pelo Império, pela República, pelo Estado Novo e até pelo AI-5. Será que agora, a Constituinte da Nova República quer vir entregar a perseguições políticas, corruptos e fanáticos ideológicos o futuro dos Junqueiras?

Com a imissão de posse pelo Estado, se a Justiça não julgar as razões dos desapropriados em 90 dias, certamente no Brasil, nenhum produtor terá mais garantias e nem liberdade de decidir sobre o seu futuro.

A saga dos Junqueiras poderá voltar ao seu ponto de origem, que se iniciou em 1759 com a execução dos Távoras. Encontrando, agora, a truculência carbonária da Constituinte, que poderá condená-los com outros produtores desse imenso Brasil a abandonar aquilo que é a sua razão de viver, ou seja, o amor à terra, à família e ao trabalho.

Sérgio Cardoso de Almeida foi deputado e é empresário rural.